Tudo começou com esse twitte sobre a profunda irresponsabilidade que seria ter uma tartaruga como bicho de estimação. Me lembrei dessa notícia que vi na Margem há algumas semanas sobre uma tartaruga de pelo menos 190 anos (é possível que ela tenha alguns aninhos a mais).
A tartaruga já era nascida quando Dom Pedro II deu o Golpe da Maioridade. Ela já andava pelo mundo na época da Comuna de Paris, da Proclamação da República no Brasil, da Revolução Russa e da Primeira Guerra Mundial. Ela já estava viva quando o Código Morse, a borracha, a fotografia, os corantes sintéticos, a dinamite, a máquina de escrever, o bonde elétrico, a vacina contra a raiva e o telefone foram inventados. Ouviu o barulhinho do ICQ, presenciou o declínio do MSN, viveu calmamente sua vida enquanto nós enviávamos depoimentos de porquês uns para os outros no Orkut.
Claro que nada disso fez grande diferença pra ela, que, afinal, é uma tartaruga. Mas será que o ar ficou mais difícil de respirar devido a nossa forma de vida capitalista que caminha inevitavelmente para o colapso ambiental? Houve avanço ou retrocesso nos direitos dos animais? Os insetos, minhocas, frutas e outras comidas de tartaruga possuem o mesmo gosto dos tempos passados? A idade vem pesando no casco? Os seres humanos, ah! Os seres humanos! O seu trato às tartarugas mudou muito com o passar dos anos? Perguntas para as quais não teremos respostas, mas que não deixamos de fazer (são as piores, não saem da cabeça).
Em uma pesquisa rápida na internet, descobri que as tartarugas marinhas vivem entre 80 a 100 anos, enquanto a tartaruga-gigante, maior tartaruga terrestre, pode viver mais de 200 anos. Além disso, as tartarugas parecem ser muito populares no jogo Minecraft.
Em algum momento da minha infância, acredito que entre os 8 e 10 anos, visitei a casa de um amigo dos meus pais que tinha uma tartaruga. Eu não me lembro dos detalhes, se a tartaruga era velha ou nova, se ficava sempre naquela casa ou não. Só me lembro de ver uma tartaruga pela primeira vez, em um quintal e dentro de um tanque, cascuda e sem demonstrar qualquer interesse pela vida humana que se passava à sua volta.
Conheci outras tartarugas depois, mas é claro que nenhuma foi como a primeira. Seja a gente criança ou adulto, ver ou viver algo pela primeira vez é sempre uma mistura de medo, curiosidade e mistério. É o tipo de sensação que muita gente evita a qualquer custo, driblando novidades e se segurando no que sabe ser seguro, mesmo que não seja tão bom assim. Enquanto outros, são praticamente viciados em experiências novas, nunca se acomodando onde se sentem acomodados. Em uma vida de 190 anos, essas sensações diminuem com o tempo? Coisas novas param de aparecer? Ou até mesmo o sentimento de novidade vira coisa antiga, perdendo um pouco da graça? Em uma passagem do Guia do Mochileiro das Galáxias sobre criaturas imortais, elas são divididas em dois tipos: as que nasceram assim e estão tranquilas com isso e as que nasceram mortais mas se tornaram imortais e têm imensa dificuldade de lidar com essa realidade.
Ser imortal é como a clássica frase: “deus me livre mas quem me dera”, porque parece bom não precisar mais se preocupar com a aproximação do fim da vida e poder adiar infinitamente para começar a autoescola ou aprender a tocar violão. Mas já vimos filmes, lemos livros e conhecemos histórias suficientes para saber dos dramas daqueles condenados à vida eterna, como a dor de ver tantas pessoas amadas partirem, a solidão de ser um serzinho especial, a sina de encontrar sempre um novo propósito, o tédio.
Meu avô gosta de perguntar se a cada dia temos mais um dia ou menos um dia. Para os seres imortais, a contagem é obviamente um dia a mais, já que não tem prazo para estar no mundo. Para nós, que sabemos que a nossa hora há de chegar, sinto que às vezes é um dia a mais, às vezes é um dia a menos. Meio como aquela história do copo meio cheio e meio vazio, sabe? Às seis da manhã costumo pensar que é um dia a mais de trabalho. Depois de passar uma tarde vendo séries enquanto deveria estar estudando, às seis da tarde, costumo pensar que é um dia a menos de estudo. Quando estamos ansiosos para uma data chegar, cada dia é um dia a menos até aquele dia. Quando vivemos um dia incrível ou transformador, parece um dia a mais na nossa história. Se o dia é entediante, se não conseguimos ser produtivos, se dormimos demais… Parece um dia a menos, um dia de vida desperdiçado. Não tem resposta certa, são dias a mais, mas também são a menos. Passam rápido, mas podem conter todo tipo de coisas, inclusive algumas que nunca vimos antes.
No fim, pesando os prós e os contras, eu iria de quem me dera e aceitaria de bom grado a imortalidade, seguindo outra máxima famosa que é apostar que é sempre melhor se arrepender do que fez do que do que não fez (lorota). O que eu faria com ela, a imortalidade, ainda não sei, porque não sou de gastar meu tempo imaginando coisas que nunca vão acontecer (mais mentiras), mas com certeza arranjaria tempo para a autoescola, aprender violão, viajar pelo mundo, ler todos livros da saga Harry Potter mais algumas milhares de vezes, pisar na lua, promover a paz mundial, fazer aulas de canto, treinar ponto cruz, decorar a letra de Faroeste Caboclo, manter um diário, publicar infinitas edições das minhas memórias, fazer meu próprio queijo e, claro, com muita responsabilidade, ter várias tartarugas de estimação.
O que eu indico essa semana:
High Fidelity: destrinchando a vida amorosa de Zoë Kravitz como a de John Cusack nos anos 90 (série disponível no Star+).
Se gostou dessa crônica, leia mais aqui:
Alfalfa versus Mazzaropi - Cada um tem a nostalgia que merece
Valeu minha neta querida. Lembrar deste seu avô meio doidinho e com suas ideias meio loucas. Pra mim, sempre é um dia a mais, pois eu os aproveitos de todas as formas possíveis.
Eu ameeei a crônica de hoje (na verdade eu amo todas kkk), mas me fez lembrar do jabuti que eu tinha. Ele se chamava Rock, porém faleceu com uns 15 anos de vida. Fiquei arrasada, pois me lembro que eu era criança e todo mundo falava que ele viveria 100 anos. Que saudades do Rock kkkk