Minha avó tem costume de cantar uma linda canção infantil que diz o seguinte:
A Alice nasceu ontem
Ontem mesmo batizou!
Quando ela fez um ano
Ela ganhou um buquê de flor!
Ganhou, ganhou
Ganhou buquê de flor!
Ganhou, ganhou
Ganhou buquê de flor!
O nome Alice é meramente ilustrativo e pode ser substituído por qualquer outro nome de bebê ou criança que você deseje entreter. Porém, como vocês podem ver, a composição possui alguns mistérios. Afinal, já seria impressionante o fato do batizado acontecer no mesmo dia do nascimento, mas fazer um ano tendo nascido ontem é um desafio para a física moderna, difícil de inserir até no enredo de Dark. Além disso, não menos absurdo é o fato de alguém ter dado um buquê de flor para uma criança de um ano. Que tipo de presente é esse? Uma completa falta de tato.
Eu e minha melhor amiga, Valentine, analisamos em muitas oportunidades a letra dessa agradável canção, sempre nos maravilhando com a criatividade que opera no estilo musical que chamarei aqui de Canções Infantis, mas que não faço ideia se tem outro nome.
São muitos os mistérios, as contradições e as incoerências. É de conhecimento público que o alecrim dourado nasceu no campo sem nem ao menos ter sido semeado. Outra famosa canção faz promessas sobre ser um peixinho que sabe nadar e, com isso, consegue retirar pessoas do mar. Que tipo de peixe é esse com tamanha capacidade? Parece mais possível, mas bem mal explicado. Quando criança, eu exigia que meu pai falasse o nome de TODA a família, incluindo tias-avós e primos de terceiro grau, quando cantava essa canção, para garantir que nenhum parente ficasse esquecido no fundo do mar sem ser salvo pelo peixinho que eu havia me tornado.
A problemática sobre atirar o pau no gato já foi amplamente discutida e, mesmo nos anos 90, onde pouco era proibido, já cantávamos uma versão mais adequada que se manifestava contra o maltrato de animais.
Mas, a pior de todas, o verdadeiro terror das Canções Infantis, é sobre um menino que não parece estar passando muito bem:
Samba Lelê tá doente
Tá com a cabeça quebrada
Samba Lelê precisava
É de umas boas palmadas
Samba samba samba
Ô lelê
Samba samba samba
Ô lalá
Nada pode explicar a lógica dessa macabra canção. O pobrezinho está doente, porque, sabe-se lá como, quebrou a cabeça. E a solução apontada é dar umas palmadas em Samba! Deixando a imaginação funcionar, imagino que Samba tenha aprontado alguma e, como consequência da arte, tenha quebrado a cabeça e ficado enfermo. Assim, a agressão física deveria ensinar o menino a parar quieto, para que não se machuque mais. Felizmente, há muito já está comprovado que bater em criança não educa ninguém, o que, por si só, deveria ser motivo para banir a música dos repertórios infantis. O negócio é que, apesar de letra controversa, ninguém pode negar que a melodia da música de Samba Lelê é contagiante, um verdadeiro convite a balançar o esqueleto. Assim, aguardo a versão atualizada da canção. A tarefa é fácil, basta substituir palmada por lambada, rebolada, balançada, animada e toda a gama de palavras com ADA que existem em nosso rico vocabulário. Vamos manter Samba Lelê saudável e feliz, ajudando a curar a quebra da cabeça. Talvez, para incentivar o bom comportamento dele, podemos apostar em um reforço positivo no lugar da punição, presenteando Samba Lelê, em seu aniversário de um ano, com um robusto buquê de flores.
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Samba Lelê já revela o nosso racismo estrutural.
Morri de rir com a crônica da quinzena kkkkkkkkk
coitadinho do samba lele hahahah