A algum tempo atrás, as locadoras de filme foram assunto na internet. Os que "não eram dessa época" não conseguem entender o apelo, defendem o quanto é melhor ter uma infinidade de streamings com uma infinidade de programas, novelas, desenhos e filmes (PNDF na adedanha - mas vale série) à sua disposição. Não estou aqui pra convencer ninguém a nada, o futuro não sei a quem pertence, mas cada um compreende a nostalgia que lhe cabe. A mim, cabem as locadoras.
Cresci em uma cidade de 50 mil habitantes, com duas ou três locadoras e nenhum cinema durante a minha infância. Não que hoje tenha um cinema na cidade, não tem. Mas teve durante uns dois ou três anos da minha adolescência, e me rendeu acontecimentos memoráveis, como a fila de adolescentes esperando a estreia de Harry Potter e a Ordem da Fênix e o aniversário de uma amiga que foi comemorado no cinema em uma terça-feira à noite, com bolo e parabéns e todo o cinema só nosso (não é que ela tenha pagado por isso, é que ninguém ia ao cinema nas terças à noite – e, provavelmente por isso, ele não está mais lá).
Até meus 9 anos, aluguei Os Batutinhas na locadora centenas de vezes para assistir com meus primos na casa da minha avó e isso foi uma das inspirações para os vários clubes secretos e exclusivos que criamos ao longo dos anos.
Tive também um clube do filme, que se reunia toda sexta-feira na casa da minha amiga Aline para assistir filmes de terror, gênero que hoje não suporto (um pouco por medo, um pouco por tédio). Mas me lembro de uma tarde especial do clube do filme, em que, depois de muito debate na locadora, alugamos Moulin Rouge e eu descobri o que era um musical e fiquei apaixonada.
Seguindo a onda dos musicais, em uma noite qualquer no Ensino Médio, aluguei outro filme que amo até hoje: Hairspray. Eu e minha melhor amiga (da época e de agora), a Valentine (com E, quando ainda era um nome esquisito), assistimos às aventuras de Tracy Turnblad e John Travolta na casa da minha vó em uma noite do pijama, em que ela cozinhou sopa para a gente e eu e Val ficamos acordadas até tarde tirando fotos na câmera digital, vestindo roupas antigas e acessórios espalhafatosos (minha vó é fotógrafa e tinha em casa vários coletes, chapéus e poás que usava nos ensaios que fotografava).
Nem só de aluguel de filmes se fez minha infância, e minha irmã tinha uma cópia pirata do filme Spot - O Cão Da Pesada, que ela assistiu todos os dias na hora do almoço por quase um ano quando tinha uns 8 anos de idade. Não adiantava oferecer um canal de desenhos ou outra opção de entretenimento infantil, ela queria rir das mesmas piadas envolvendo Spot e seu dono.
Dos meus 12 aos 15 anos, quando aparecia um cartaz na locadora anunciando o próximo filme da Lindsey Lohan, eu já ficava ansiosa por um pouco de rebeldia adolescente e romance inatingível (vide a crônica da semana passada). Lembro direitinho dos cartazes de Meninas Malvadas e Confissões De Uma Adolescente Em Crise, filmes que aluguei muitas vezes (e que alugaria de novo se tivesse oportunidade).
Depois dos 15, eu já não aparecia na locadora com frequência, porque tinha aprendido a usar o Torrent como uma adolescente que se preze nos anos 2000. Mas vez ou outra ainda alugava um DVD para assistir com meus melhores amigos, que na época eram um casal, para no meio da semana dar um tempo das tantas tarefas escolares que a gente tinha que cumprir (leia-se: nenhuma).
Voltando bastante no tempo, em uma noite de férias no final dos anos 90, eu e meus primos fomos até a locadora com uma missão parecida com a que temos hoje ao encarar a página da Netflix em uma tarde de domingo: decidir o que assistir. As opções eram ao mesmo tempo várias e nenhuma. Foi então que minha avó sugeriu um filme do Mazzaropi, dizendo que era um filme engraçadíssimo e que a gente iria adorar. Alugamos a fita e fomos até a casa dela para assistir, em mais uma clássica noite do pijama. Odiamos. Ninguém deu nenhuma risada, foi um tédio total. Minha avó não assistiu ao filme com a gente, mas entrava às vezes no quarto para pegar algo e via alguns pedaços, gargalhando.
É verdade que, na era do streaming, isso não seria problema, pois era só escolher outro. Mas com a nostalgia dos outros não se mexe e eu não trocaria minha locadora favorita por nenhuma assinatura grátis sem limite de compartilhamento de tela. Minha avó também não trocaria Mazzaropi por Alfalfa e Batatinha. E nada disso é uma ode ao passado ou uma aversão às mudanças, afinal a gente precisava e precisa de muitas. Não quero que abra uma locadora na minha esquina, até porque, se elas fecharam, foi porque todo mundo, inclusive eu, parou de aparecer por lá. Lembranças não são pedidos de retorno. Nostalgia é memória requentada e fantasiada, mas com um certo jeitinho de que está fresca, de que acabou de acontecer. Não pretendo cancelar minhas assinaturas e nem comprar um aparelho VHS, mas compartilhar esses momentos aqui é uma oportunidade de sentir uma saudade boa de quem a gente era e de quem a gente pensava que seria, lembrando que afinal isso é tudo parte da gente. E ser parte da gente é tudo que os programas, novelas, desenhos e filmes (PNDF na adedanha) querem ser.
Indicações da semana:
O livro Intérprete de Males, da Jhumpa Lahiri. A minha edição maravilhosa é da TAG e veio acompanhada de uma lista com indicações de livros de vários países diferentes, numa espécie de raspadinha, em que você raspa o papel para descobrir qual é o livro sugerido para determinado país. Agora a lista fica em um quadro na minha sala e o livro é um dos meus favoritos. São contos cheios de sensibilidade e imaginação, que apresentam olhares curiosos, únicos e específicos sobre cada situação narrada. É um livro lindo, de deixar a gente apaixonada.
Essa receita de torta salgada da minha amiga Carol (e todo conteúdo que ela produz sobre yoga e alimentação no Instagram). Torta salgada pra mim é um prato de festa de família, que sempre sobra e é ainda mais gostoso de comer geladinha no café da tarde do outro dia.
No final da semana passada eu assisti ao filme A Galeria dos Corações Partidos, uma comédia romântica sobre términos, memórias ligadas a objetos, boas amizades e, claro, com uma paquerinha divertida. É um filme fofo, mas que fica com um gostinho de que poderia ser algo mais. Por isso, vou recuperar aqui um filme que já vi há algum bastante tempo (e que inclusive já revi algumas vezes), mas é pra mim uma comédia romântica perfeita, com tudo que uma comédia romântica precisa ter. Seguindo na onda saudosista, não é fácil achar uma rom com de qualidade atualmente, mas essa é digna dos anos 2000. O nome é O Plano Imperfeito e a paquera é entre dois assistentes que armam para que seus chefes, obcecados com trabalho, fiquem juntos. Os fãs da Kate Hudson podem assistir sem medo de errar.
Não é mais domingo, mas se quiserem conversar um pouco sobre aluguel de filmes e outras lembranças envolvendo as famigeradas locadoras, é só chegar:
E é hora de dar tchau (mas sem aquele drama dos Teletubbies).
Um beijo e até a próxima segunda-feira.
Revisão: Otávio Campos
Mazzaropi é engraçado sim, pô!
Meninos 🤮