Meu nome está na moda. Nos últimos anos, muitas e novas Alices chegaram ao mundo, para serem as primeiras nas listas de chamada, para responderem perguntas sobre o país das maravilhas e para ouvirem trechos da música do Kid Abelha sobre cartas de amor.
Eu assisti muita TV Cultura na minha infância, fiz muitas experiências em casa estilo Tíbio e Perônio, odiei com todas as minhas forças o Doutor Abobrinha e fui fã de carteirinha de Glub Glub, entre outras emoções inigualáveis. Então, em 2018, fui na exposição do Castelo Rá-Tim-Bum em São Paulo, ver figurinos, cenários e curiosidades, além da própria Celeste. A exposição mesclava crianças curiosas de 1 a 10 anos e adultos nostálgicos como eu e minha turma. Contei 7 Alices, eu inclusa, no pequeno percurso das salas do castelo disponíveis para visitação. Tinha Alice bebê, Alice criança, Alice pré-adolescente. Alice pra lá e pra cá e todas as sete se virando cada vez que ouvia seu nome ser chamado.
Ao contrário de pessoas mais egoístas, fico feliz que meu nome esteja na boca do povo, sucesso nos cartórios e nas listas de chamada do ensino infantil. Alice é um nome legal de se ter. O país das maravilhas, ao contrário de outros clichês associados a nomes, como Mário e armário, é um bom lugar ao qual estar associada. É, afinal, um país de maravilhas, onde acontecem boas histórias e vivem personagens interessantes.
Além disso, aparentemente, uma tal Alice escreve avassaladoras cartas de amor, cheias de sinceridade. Essa não sou eu, até porque não acho que ninguém tenha medo das minhas ideias que, modéstia à parte, costumam ser ótimas e não prejudicar ninguém. Mas, por coincidência (ou por consequência da minha paixão pelo Leoni durante a adolescência), sempre gostei muito de escrever cartas, sejam elas de amor ou não.
Cheguei a escrever carta de amor encomendada, de uma amiga sem jeito com as palavras mas cheia de paixão pelo seu então namoradinho. Uma vez, fiz também o exato contrário, e ditei palavras sensíveis para outra amiga, que digitando com o coração partido, terminou com seu ficante de algumas semanas pelo MSN.
Já fiz amigos por correspondência, já enviei cartas de mais de 10 páginas, já me declarei em prosa, poema, desenho e marca de batom no papel. Colecionava papel de carta, tinha envelopes coloridos e sabia fazer várias dobraduras fofas com mecanismos de abertura em que a gente escrevia PUXE AQUI (literalmente só quem viveu sabe, não tentarei inutilmente explicar essa tecnologia avançada).
No ensino médio, eu e minha melhor amiga Valentine (citada semana sim, semana não aqui na Folhinha) escrevíamos cartas para Deus. Começavam com a frase "Querido Deus" e então vinham desabafos sobre nossa vida amorosa, a conjuntura nacional, os deveres de casa e todas as coisas malucas que passavam nas nossas cabecinhas de 16 anos de idade.
Acredito que, dos 11 aos 18, passei cerca 40% do meu tempo na escola escrevendo em diários ou trocando cartas e bilhetes com as amigas, mesmo que a gente estivesse a uma carteira de distância e a cinco minutos do recreio. Era incrível como a gente sempre tinha algo urgente para contar, cada pequena emoção enorme que precisava ser compartilhada.
Mas com certeza minhas melhores cartas são mesmo as de amor. E não me refiro aqui somente ao amor romântico, mas a todo tipo declaração sincera e apaixonada, seja para quem ou o que for. Acredito que eu poderia ser facilmente contratada para trabalhar numa empresa de escrever cartas alheias como aquele cara Theodore que se apaixona pelo cel no filme Her. O segredo é um misto de dedicação, criatividade e coragem de ser cafona. Cafonice de qualidade é o que às vezes falta nas declarações dos nossos tempos. Amor não é constância e certeza, mas entrega e vontade. Ninguém escreve declarações memoráveis com racionalidade excessiva e tendo em mente a reação do destinatário. É preciso se deixar levar, sem medo de fazer uma rima fraca ou expressar um sentimento torto. Pra demostrar afeto pode ser necessário exagero e graça, ou simplicidade e bom humor. Como uma receita improvisada, as palavras correndo livres e leves. No fim, é importante focar no que realmente importa: tendo bastante amor, a carta de amor costuma ficar muito boa, independente de todo o resto.
Indicações da semana:
Já que a gente está falando de amor, eu amei o álbum visual de GRACINHA, da Manu Gavassi. Fiquei especificamente apaixonada pela primeira música, que é também o título do álbum, e pelas coreografias, que tentarei imitar em casa. Está disponível no Disney+.
Leoni, que é um dos meus românticos favoritos porque sabe ser cafona e escrever cartas como ninguém, além de não decepcionar politicamente falando como muitos dos meus ídolos da adolescência. Tive uma fase verdadeiramente obcecada por Leoni, em que eu e minha prima Marina cantávamos Garotos (O outro lado) chorando e A Fórmula do Amor gritando a plenos pulmões.
As cartas de Fermina Daza e Florentino Ariza, em que um promete a outra nunca a fazer comer berinjelas, enquanto ambos sentem os sintomas do amor (que são os mesmo do cólera).
Me lembro exatamente onde estava quando terminei de ler O Amor nos Tempos do Cólera: sentada em um puf na sala da república que eu morava em cima do Bar da Esquina, em uma quinta-feira à tarde. Fiquei olhando para a última página e chorando, num misto de amor e loucura, feliz por essa história existir.
Cartas de amor pra todo mundo:
Por fim, dedico essa crônica àqueles que me deram meu nome e assim a fizeram possível.
Um beijo para Cinara e Julio, a primeira que sempre começa suas cartas de amor para meu pai dizendo “Julio, não escrevo bem como você, mas…” e o segundo que escreve bem como ele só.
Pra variar, amei. Que o país das maravilhas seja fofo como a Folhinha de Abacate.
PS.: Dúvida tostines: a Alice tem todo esse jeito de Alice porque se chama Alice ou ela se chama Alice porque já nasceu com o jeitinho de Alice?
A TV Cultura foi a melhor coisa que aconteceu na vida de toda criança/adolescente dos anos 90. Quando visitei a exposição do Castelo no Rio, fiquei lá por 3h e mais de 400 fotos para contar a história, rs
Sua escrita é muito gostosa de se ler, e parece que falta algo quando não começo minha segunda lendo a folhinha :)
Escreva Alice, escreva!