Um tema que me aflige com frequência é quem são as pessoas que ficam andando no centro da cidade todos os dias. Não importa a cidade, essas pessoas estão lá. Você vai ao centro, seja dez da manhã, duas da tarde ou quatro e vinte, e lá estão elas, multidões diversas, com suas dores, paixões e sacolas, andando, como se não fizessem nada da vida, pelo centro da cidade.
Vocês podem argumentar que o desemprego só cresce, mas isso não responde a pergunta, porque eu continuaria querendo saber como pessoas desempregadas podem fazer compras com tanta tranquilidade e despreocupação.
E sim, eu sei que, ao observar esse fenômeno, eu sou também parte dele, quando vou comprar uma blusinha na rua, pagar uma conta, almoçar com uma amiga, levar o celular para consertar ou qualquer outro contratempo que me leve inevitavelmente ao centro. Mas isso acontece comigo com tão pouca frequência... E eu nem posso demorar muito por lá. Será que a junção de tantos eus com pressa e pequenos afazeres pode gerar as multidões desocupadas que abarrotam as ruas centrais de todas as cidades que já visitei?
Essa é uma daquelas questões sem resposta, como o significado da vida, a vastidão do universo, o funcionamento da pipoca. Esse bando de gente que caminha às vezes com pressa, por vezes sorrindo, são pra mim como os figurantes da minha vida, prontos para estarem lá, compondo o cenário do centro da cidade quando essa for a locação da minha próxima cena. E, antes que eu seja acusada de narcisismo ou complexo de Truman, quero deixar claro que sei também o meu lugar, de figurante de tanta gente, de tantas cenas que eu nem mesmo vejo acontecer (mas às vezes sim, na famosa butuca da conversa alheia). Uma troca sincera entre eu e o resto do mundo. Entre cada um e o resto do mundo. Ser protagonista da própria história é também ser figurante de um monte de outras (como dizia o poeta: nem melhor nem pior, apenas diferente).
Aproveito então para contar pra vocês sobre alguns figurantes que passaram por mim, com histórias muito interessantes, embora pouco verídicas, afinal foram imaginadas por mim.
Há algumas semanas, passou por mim, ou talvez passei por ela, uma moça branca e magra, de cabelos loiros com pontas azuis, vestindo calça jeans, blusa cinza e um all star preto. Estava com uma cara séria, mexendo no celular enquanto esperava o horário de seu ônibus, beirando a impaciência. Mas não é que ela seja sempre assim inquieta, o caso é que essa seria sua primeira viagem depois de bastante tempo em casa cumprindo o isolamento e trabalhando em regime de home office. Agora vacinada com duas doses, resolveu, junto com uma amiga, mas que talvez seja na verdade algo mais, ir passar um final de semana na praia, mesmo que nenhuma das duas fosse muito fã de praia, mas estavam com muita vontade (não de ir à praia, mas de se ver) e por isso resolveram ir. Agora ela estava impaciente e ansiosa, para ver o mar e o seu possível interesse amoroso. Infelizmente, assim que ela abandonou meu campo de visão, perdi qualquer poder que nunca tive sobre ela e fiquei sem saber ou mesmo inventar o desfecho dessa história. Mas essa é parte da graça, como quando, já dentro do ônibus, conheci outra mulher, que não posso descrever com precisão porque ela estava sentada alguns bancos à frente, e dela só pequenos traços vislumbrei, que incluíam um casaco marrom, calça jeans e tênis branco. Ocupando o primeiro banco do segundo andar do ônibus, com os pés esticados, perguntou ao motorista quando seria a parada na rodoviária Santa Maria. Qual não foi seu susto quando o motorista disse que o ônibus não passava por lá, que ela deveria estar no lugar errado. Ele pediu mais informações e ela disse: "Eu estou indo visitar minha filha, pela primeira vez, sei que é na rodoviária Santa Maria que tenho que descer". Felizmente, uma outra passageira, esclareceu que a rodoviária de Santa Maria era a rodoviária de Florianópolis, e portanto último ponto da viagem. A mãe da moradora de Floripa, respirou então aliviada, pensando que iria dar sim tudo certo e ela poderia encontrar a filha depois de tanto tempo, e enfim conhecer seu apartamento, que tinha ajudado a escolher por meio de conversas no whatsapp, lembrando à filha de pensar em coisas como a fiação e a vizinha, mesmo que ela mesma não tenha feito isso quando escolheu o seu, tendo problemas constantes com os dois. É complicado mesmo lembrar de tudo ao escolher o apartamento. Não se deixar levar pelo que é visto à primeira vista, pelas pessoas que a gente imagina receber ali, os filmes que planejamos assistir na sala, as noites de conchinha que sonhamos em dormir nos quartos. E as pessoas que moravam ali antes? Será que saíram por quê? Quem sabe uma nova oportunidade de trabalho em outra cidade, ou mesmo em outro país, uma mudança dramática e repentina, daquelas que modificam vidas e abalam estruturas. Possibilidades não faltam. E a nossa imaginação sabe trabalhar bem quando dá vontade. E assim seguimos viagem: eu, a moça das pontas azuis e a que visitava pela primeira vez a filha, junto com tantos outros figurantes e protagonistas vivendo suas histórias.
Indicações da semana:
Para quem viu Round 6 (ou seja, quase todo mundo): a gente pensou em uma versão brasileira do jogo, com Morto Vivo, Dança das cadeiras, A cidade dorme e alguns atores e atrizes que gostamos, junto com a Maíra Medeiros no último episódio do podcast Tá com tudo!
Tem quem goste de assistir ou ouvir coisas que ninguém viu ou ouviu, mas eu sempre torço para que as coisas que eu gosto virem sucesso absoluto e possam ser assunto na mesa de bar, no Uber, na newsletter e no podcast, como foi com Round 6, que bateu vários recordes e se tornou a série mais vista da Netflix. Vale a pena ler essa thread sobre o desenvolvimento da indústria cultural sul-coreana nas últimas décadas:
Eu não sou fã de filmes de terror (medrosa d+), mas estou com vontade de dar uma chance para o gênero nesse mês de outubro. Peguei uma lista com a indicação de 50 filmes de terror favoritos de grande diretos na MargeM e deixo aqui para quem mais quiser levar um sustinho esse mês.
Amanhã volto a trabalhar presencialmente depois de quase dois anos. Talvez renda um assunto por aqui. De qualquer forma, me desejem sorte! E eu desejo sorte para vocês nessa próxima semana também.
Revisão: Otávio Campos
Muito legal!!!!