Na minha família, nós temos dois bordões de sucesso: o "Avisa pra minha mãe" e o "Cadê a mamaim dele?".
O primeiro foi proferido pela primeira vez pelo meu tio Patrick no grupo de Whatsapp da família. Ele estava fazendo uma viagem e ficava mandando mensagens dizendo onde estava e se estava tudo certo, seguidas de um pedido de "Avisa para a minha mãe".
Agora, sempre que algum dos membros do grupo faz um passeio, envia a clássica selfie fazendo dedo da paz e sorrindo com a paisagem de fundo para compartilhar com aqueles que ama e acrescenta um "Avisa pra minha mãe que cheguei em ". Ou quando meu primo toma umas cervejas no sábado à noite, manda um áudio para o grupo dizendo "Avisa pra minha mãe que eu tô mamado". Entre outras variações desse bordão de sucesso.
O segundo bordão ainda está menos difundido dentro no universo Whatsapp, mas eu e o Daniel, meu namorado, usamos cotidianamente e já estamos até contagiando alguns amigos. A autora do "Cadê a mamaim dele?" é a Estela, Estelinha ou Teté, a filha de dois anos (quase três — como ela gosta de dizer, ela é uma criança agora e não mais um bebê) da minha prima Marina. Estela foi apresentada à arte audiovisual no ano passado e começou a assistir filmes. Seus pais logo quiseram apresentar a ela os clássicos: Toy Story, Dumbo, Pocahontas, Rei Leão... Mas também o contemporâneo e inovador musical Frozen. Que alegria deve ser começar a assistir filmes, não é mesmo? Viver uma história que não é sua e nem de ninguém que você conhece, que é sim faz de conta, mas não parece ser. Conhecer personagens, por vezes até mesmo se transformar neles (no momento Estela atende por Nala, enquanto seu primo e fiel companheiro, Rominho, carregava a alcunha de Rei Leão).
Acontece que, ao ser exposta ao clímax de tantas obras, Estelinha sempre enfrentava o seguinte questionamento em sua mente de dois quase três anos de idade: onde estava a mãe daqueles personagens?
Quando Woody e Buzz se encontram perdidos no posto de gasolina... “Cadê a mamaim deles?”. Quando Simba foge após a morte de Mufasa... “Cadê a mamaim dele?”. Quando Elza se isola do mundo em sua vida de gelo... “Cadê a mamaim dela?”. Nem preciso falar de Dumbo, o elefante de orelhas enormes que é separado de sua mãe e não tem seu valor reconhecido dentro do circo. A verdade é que a pergunta central de Dumbo é mesmo a da Estela, e todos nós passamos o filme esperando pelo momento em que ele vai reencontrar sua mamaim.
A cada dia que passa, escuto novas histórias da família sobre Estela e os filmes que está assistindo. Meu pai me contou que assistiu com ela a versão "live action" (há controvérsias sobre o que caracteriza um live action, discussão interessante) de Rei Leão e, apesar de ter sido preciso acelerar a morte de Mufasa (meu deus, quem aguenta ver a morte da Mufasa sem ter o seu coração arrancado?), Estela enfrentou muito bem o drama shakespeariano e encarou com alegria a cena seguinte, em que os verdadeiros protagonistas da história, Timão e seu amigo Pumba, fazem sua entrada.
Não sei bem quais reflexões trazer para meus leitores após os fatos apresentados. Talvez que assistir filmes seja mesmo se preparar para enfrentar os clímax da vida. Talvez que ver um ser humaninho que você ama muito crescer seja uma coisa incrível. Talvez que todos nós tenhamos mesmo vontade de gritar "cadê a mamaim dele?", mas se referindo mesmo à nossa mãe ou a outro ente querido que sempre esteja lá pra gente. Ou, ainda, a conclusão dessa crônica pode ser sobre a gente precisar entender e aprender algumas coisas sozinhos, mas nem tanto, afinal não há problema em precisar de ajuda, amparo e colo a caminho de uma descoberta ou aprendizado e nós devemos mesmo usar e abusar disso.
Simba aceitou sua missão de ser o novo rei, mas não sem Nala, Timão e Pumba ao seu lado. Woody e Buzz conseguiram voltar para Andy, mas só depois que se tornaram amigos. Elza resolveu usar seus poderes para o bem e desenvolveu a habilidade de controlar os jatos de gelo, mas não sem Ana ter protagonizado todo o filme Frozen em busca da irmã, sem nem ao menos ter levado os créditos por isso, afinal as fantasias de Ana não são sucesso de vendas. Estelinha aprendeu a ver filmes e aproveitar toda a diversão que eles podem proporcionar, mesmo que às vezes seja emocionante demais, e conta com seu primo Rominho para compartilhar os medos e as representações posteriores da história.
Tudo bem chamar a mamaim ou quem você quiser. Na verdade, quanto mais opções de pessoas em quem a gente confia para chamar, melhor, já que não queremos incentivar aqui a sobrecarga de trabalho e emoções que as mães enfrentam todos os dias. Aceite ajuda, seja ajuda. Veja filmes. Aprenda sozinho, mas com uma companhia ao lado. Seja fã de Frozen. Cante os agudos de “Quem dorme é o leão” a plenos pulmões. Leia Shakespeare. Se inscreva na newsletter Folhinha de abacate. Mantenha sua mãe ou responsável atualizado do seu paradeiro, mesmo que, como meu tio Patrick, você já tenha passado dos 40. Siga pelo menos um desses conselhos. Ou não. Acho que hoje a moral da história fica com vocês.
Indicações da semana:
A-weema-weh, a-weema-weh, a-weema-weh!
Quando o live action de Rei Leão foi lançado em 2019, fui ao cinema assistir com meus pais e meu amigo Vitor Barreto, que é uma dessas pessoas que não gosta de desenho animado (absurdo, eu sei, depois ele não entende porque o apelido dele é Vitor Víbora). A Víbora teve a pachorra de comentar que até que gostou do filme, mas pelo menos me rendeu bons comentários durante o desenvolvimento da trama, como ficar impressionado ao descobrir que "Timão e Pumba são desse filme!".
O relançamento de Rei Leão me proporcionou momentos incríveis como poder cantar com meus alunos do sexto ano, no ônibus de excursão, "A-WEEEEEEEEE IIIIIIIIIIIIII WEEMA WEEMA WEH".
Gosto muito dessa música e, escrevendo essa crônica, descobri que por trás dela tem toda uma história sobre roubo de direitos autorais que você pode conferir clicando aqui. A canção foi composta por Solomon Linda e gravada pela primeira vez em 1939. Porém, Linda morreu sem receber os devidos créditos sobre a música e a Disney ainda deve milhões de dólares para sua família.
Vou fazer uma indicação pouco original, mas certeira: a terceira temporada de Sex Education. Otis e sua turma estão em seu melhor desempenho e a temporada é divertida e tem uma trilha sonora é impecável. A melhor temporada da série até agora (na minha opinião). A história é fechadinha e bem bolada, abrindo e fechando ciclos de cada um dos vários ótimos personagens que Sex Education tem. Destaque para Jean, Eric, Ruby e o próprio Otis.
Prometo não ficar me repetindo e fazer disso uma indicação semanal, mas como o convidado da semana passada é lindo, famoso, divertido e minha alma gêmea, fica a indicação do episódio do Tá Com Tudo! com a participação do João.
Avisa pra minha mãe que a crônica acabou. Um beijo e até a próxima.
Revisão Otávio Campos
Maravilha de crônica!
Te amo!!!