De gol em gol
Futebol é também sobre afetos. Muita gente já falou sobre isso, sobre o poder que o esporte tem de construir laços e memórias, mas eu resolvi falar um pouco também.
Futebol nunca foi pra mim. Fui uma criança gorda, que gostava de ler e odiava esportes. Na adolescência, eu era aquela que fugia da educação física. Mesmo assim, criei com o futebol meus afetos. Quando criança, torcia pro flamengo junto com meus primos, incentivada por meu tio Claudio. Também sempre fui apaixonada por crônicas futebolísticas e, em certa época, queria escrevê-las, mas sentia que me faltava conhecimento no esporte. Hoje, como amadureci e sei que me falta conhecimento sobre tudo, já não deixo de escrever sobre nada do que me dê vontade.
Em algum momento, constatei que eu não gostava de futebol. Mas por quê? A verdade é que não me sentia muito bem-vinda ali, na observação desarmoniosa de alguns milionários inconsequentes (nem todos, beijo Richarlison!) por muitos não-milionários inconsequentes. A gente sabe que futebol, assim como outros prazeres da vida, pode ser mesmo uma merda... Um ambiente de racismo, homofobia, machismo e muito mais. O futebol normalmente não é pra meninas gordas, que amam ler e fogem da aula de educação física. E, por isso, ficou difícil para mim estar nesse espaço onde eu sentia que não fazia parte.
Mas, como eu imagino que já tenha acontecido com muita gente, a vida tem esse jeito de mostrar os cantinhos em que a gente pode se encaixar. Pra mim, é o cantinho dos afetos. É meu tio Claudio, em 1998, deixando o orgulho de lado para pedir autógrafos para o time do Vasco para seu filho, que havia temporariamente mudado de time. É o tio Assis, avesso a demonstrações de carinho explícitas, caindo em lágrimas no natal quado recebeu de presente do cunhado um calendário do Flamengo. É o Brasil contra Neymar, depois do jogador ter apoiado abertamente, de forma nojenta e irresponsável, um presidente genocida e racista. É acompanhar com meus alunos os resultados dos jogos durante as aulas. É o Bolão de míseros 10 reais (para a copa inteira) reunindo um monte de gente que eu amo. É todo mundo vindo assistir o jogo no meu bairro comigo. É minha amiga Amanda decorando a casa e meu amigo Lucão organizando o churrasco para a gente se reunir, como sempre, mas dessa vez com um objetivo específico, um afeto conjunto e maluco, por um bando de milionários inconsequentes. A verdade é que nem eu sei como isso aconteceu, mas agora, entre meus tantos afetos, está o futebol.