Quando eu tinha uns 11 anos, chegou por engano uma encomenda da Giovanna Baby na loja da minha família. Para quem não sabe, meu bisavô, seu Jarbas, era fotógrafo e, depois dele, meus avós, Cidoca e João Luiz, e meu pai, Julio, continuaram o legado fotográfico e trabalhavam exercendo a profissão na cidade em que eu nasci, nossa pequena Leopoldina. A JL Vídeo e Fotos era a loja da família, onde você podia contratar fotógrafos para seu casamento, aniversário ou book de 15 anos. A "Loja", como era chamada por todos nós, também revelava fotos, naqueles tempos imemoriais em que as câmeras fotográfica não eram digitais, e vendia alguns itens como álbuns e filmes. Além disso, era o melhor lugar se tirar um 3x4. Mesmo que você chegasse lá de regatinha para tirar sua foto para a carteira de identidade, era fácil resolver pois meu pai apresentava opções de terno ou camisas sociais para você usar no Photoshop.
Vivi muitas aventuras por lá. Foi onde tive meu primeiro emprego, para o qual chegava atrasada todo dia. Eu passava duas horas por dia ajudando na Loja, enquanto meu primo Rômulo passava duas horas por dia ajudando a mãe dele no escritório dela. Coincidentemente, estávamos a apenas uns 3 minutos de distância, ou menos se você descer o morro do escritório embalado. E, logo ali, mais uns 3 minutos depois, estava uma famosa sorveteria da cidade, a Sol&Neve, onde minha vó levava quase todos os dias, eu e Rômulo, para um tomar um sorvete de menta com chocolate durante o expediente. Era uma emprego flexível. Mas o salário também não era dos melhores.
Como toda boa loja de cidade pequena, toda hora aparecia um conhecido de alguém para bater um papinho, passar o tempo. Teve uma época que rondava um boato que toda pessoa que falecia em Leopoldina tinha passado lá pela Loja um ou dois dias antes. Se era exagero da minha vó Cidoca, nunca saberemos, mas a verdade é que a noção de tempo fica confusa em meio ao movimento, e dois dias ou um mês e meio parecem sempre "que foi ontem".
Eu gostava especialmente do dia da semana que saía a Revista Capricho, já ia trabalhar com o dinheiro separado, e passava as duas horas de serviço lendo a revista do início ao fim, me inspirando nas crônicas do Antonio Prata e mergulhando nas águas profundas do autoconhecimento através de testes apurados.
Quando a gente era criança, morávamos do lado da Loja e brincávamos o dia inteiro lá em frente, colecionando muitas memórias, inclusive de acidentes. Minha irmã levou um tombo terrível ao lado da Loja quando tinha 2 anos e eu quebrei meu braço andando de patins da entrada da JL Vídeo e Fotos.
Mas, voltando a história principal da crônica de hoje, a encomenda enganada da Giovanna Baby chegou e trazia vários blocos de notas. Eles eram apenas de dois tipos: um com a carinha de um bebê e um com um cachorrinho branco. Minha família avisou a empresa sobre o erro, mas nunca apareceram para buscar a caixa de volta. Por isso, passados alguns meses, começamos a usar os blocos, seja no estabelecimento comercial, seja na nossa vida cotidiana, inclusive distribuindo alguns para os amigos. Acredito que seja possível afirmar que 80% das cartas que escrevi na adolescência foram nas páginas da Giovanna Baby (e olha que foi bastante carta - confira mais sobre nessa crônica aqui).
Não me lembro quanto blocos foram entregues, mas de alguma forma me parece que foram infinitos. Afinal, vira e mexe, até hoje, encontro um bloquinho perdido em alguma gaveta ou canto da casa dos meus pais. Os do cachorro branco já não aparecem mais, pois eram muito disputados. Mas o tal bebê, que chamamos carinhosamente de Giovanna, está por toda a parte. É eu me distrair que, quando me dou conta, estou fazendo anotações em um papel amarelado timbrado com: Giovanna Baby. É como se os malditos bloquinhos se multiplicassem, se espalhando por aí e construindo um estoque infinito, sempre prontos para receber um desenho, número de telefone ou cartinha de amor.
Há alguns anos, a Loja fechou e o ponto comercial da família em Leopoldina mudou de local, sendo agora a Clínica Monerat, onde as crianças da família, já famosas por aqui, estão vivendo suas aventuras. Quem sabe, na minha próxima visita, eu possa levar um bloquinho da Giovanna de presente, garantindo para eles, através do milagre da multiplicação, estoque de papel pelo menos até a pré-adolescência.
Se é magia ou coincidência, nunca vamos saber. O mistério da Giovanna Baby pode ser colocado ao lado das mangas ubás no conjunto de enigmas sem solução da Folhinha de abacate. Parece mesmo obra do destino, aquela caixa surgir na nossa vida e nunca mais ir embora, mas, sendo coisa do acaso, não deixa de ter seu charme. Vida longa a bebê Giovanna e suas páginas timbradas.
Um beijo especial para dois leitores que me incentivaram a voltar a aparecer por aqui: meu avô João Luiz que me pergunta da Folhinha toda vez que me encontra e a Letícia, que me contou no último final de semana que minhas palavras sobre mangas deixaram ela levemente emocionada. Obrigada.
O número de cartas, listas, Smago Repórter e histórias em quadrinhos nesse papel que eu tenho guardadas em casa não tem fim! Eu acho as melhores lembranças ❤️❤️
Gosto muito de tudo que vc escreve. Muita criatividade. Tenho um orgulho muito grande de ter vc como minha neta. Grande beijo.