Convivo com uma insistente sensação de que não vai dar tempo. De cumprir os compromissos. De jogar conversa fora. De ir nos vários lugares que prometi ir em apenas uma tarde. De levar a encomenda nos correios, preparar aula, assistir o episódio novo, cozinhar meu jantar, escrever a crônica da semana, ir na academia, ler todos os livros que eu gostaria de ler antes de morrer.
O pior é que não vai dar mesmo. Não vai dar tempo de fazer tudo e isso já está claro, já aceitei, não nego nem nos confins do meu inconsciente. Por que então ainda me incomoda? Ainda fico tentando, encaixando aquele monte de coisas na agenda, contando as horas do dia, prometendo acabar tudo a tempo de fazer todas aquelas outras coisas. Provavelmente porque assumir que não vai dar tempo significa fazer escolhas. Dizer não, mas não da boca pra fora. Conscientemente escolher o que deixar pra depois, ou mesmo pra nunca mais. Quais livros não serão lidos, seja essa semana ou o resto da vida.
São essas escolhas constantes e diárias que perturbam minha mente cheia de interesses e vontades, afinal, tanta coisa parece boa o bastante para ser escolhida.
Acredito que já provei aqui que sou uma pessoa otimista, copo meio cheio, fã do Ted Lasso. É assim que me comporto com relação a disposição do meu tempo, sempre confiante que ver mais um episódio ou marcar mais uma reunião não vai atrapalhar todo o resto que eu tinha programado. E quando, apesar de meus não tão grande esforços, não dá certo e alguma coisa fica de lado, eu também não costumo lamentar, afinal amanhã é um novo dia em que é possível fazer e viver o que não foi feito e vivido ontem.
Porém, em uma tentativa saudável de parar de correr contra o tempo, estou investida em definir minhas prioridades e fazer minhas escolhas cotidianas a partir delas. Mas não é fácil, afinal, em um domingo à tarde, é fácil acreditar que minha verdadeira prioridade e meta de vida é passar horas assistindo One Tree Hill (ou Lances da Vida) pela quinta vez.
Outro dia, às vésperas de uma prova razoavelmente importante, fui tomada por uma ânsia inexplicável que dizia que meu propósito na Terra era terminar de ler o primeiro livro da duologia Six Of Crows. Nada me convencia do contrário, não adiantava lutar. Prioridades são uma mistura complexa do nosso humor, nossas vontades, aptidões, projeções familiares, pressões da sociedade e previsão do tempo. Se está fácil de decidir é provavelmente porque a gente não gastou muito tempo pensando nisso, o que às vezes pode até ser uma vantagem, quando se trata de comprar um açaí na terça-feira à tarde, mas também pode gerar terríveis consequências, como ter que pagar várias parcelas de uma banheira de spa inflável com aquecimento e capacidade para 6 pessoas que você nem tem onde colocar.
Pensar demais ou pensar de menos é o verdadeiro dilema da humanidade, acompanhando nossas escolhas de ontem, hoje, amanhã e sempre. Sempre tento me planejar o suficiente para pode sair do planejamento, assim é sempre possível gastar umas duas horinhas para terminar de ler aquele livro, tirar um breve cochilo ou ver um episódio da terceira temporada de One Tree Hill. Um pouco irresponsável? Talvez, mas podem ficar tranquilos, eu tenho certeza que vai dar tempo.
Indicações da semana:
Acompanho a Nátaly Neri desde 2014 e gostei especialmente desse vídeo, principalmente de algumas questões sobre como se vestir para ser ou se sentir de acordo com o que planeja viver naquele dia e não simplesmente para ficar "bonita ou feia". Prometo que com as palavras da Nátaly o raciocínio faz mais sentido e vocês não vão se arrepender de assistir. 🙂
Gabriel García Márquez estava na minha cabeça nos últimos dias. Nenhum livro específico, mas lembranças envolvendo sua morte, seu esquecimento, um desenho que não lembro quem foi quem fez em sua homenagem mas ficou gravado na minha cabeça. Ontem estava vendo a descrição das aulas de um curso de roteiro e me deparei com o livro Me Alugo Para Sonhar, que é do tipo que passa aquela ilusão de que nos deixa conhecer um pouquinho mais sobre a personalidade do autor, algo que todo fã e admirador quer sentir, mesmo sabendo que são migalhas de tanta coisa que ele deve ter sido e do que ainda é. Mas o que vou indicar aqui é na verdade outra parte do meu autor favorito, apesar de não me opor de forma alguma que todos leiam Me algo para sonhar.
Nos seus Doze Contos Peregrinos tem tudo que nem precisou ser prometido: amor, fantasia, luz, sangue e perdas. O rastro do seu sangue na neve e Só vim telefonar são palavras que eu gostaria de copiar e colar aqui, ou melhor, gostaria de ligar para cada um de vocês e ler em voz alta os dois contos completos, para garantir que vocês não vão perder essa oportunidade. Como não tenho o número de todo mundo, vou ter que confiar que sigam minha indicação, que eu garanto ser certeira.
Um meme sobre meu drama com livros que acredito que encontrará lugar no coração de vocês também.
Outras Folhinhas de abacate já espalhadas por aí:
Dica de colecionador - Sobre coleções, cartões postais e memória
No consultório - Uma crônica para ler enquanto espera
É isso. Obrigada por escolherem gastar um tempinho com a Folhinha de abacate e até a próxima semana. 😉💖
Esta é a Alice e seu tempo.
O poeta disse que: "o tempo não para". Será verdade? Tem momentos, em nossa vida que o tempo poderia parar. Mas, pelo menos, em nossa memória o tempo para. Ainda bem. Bjus.