Outro dia, sonhei que estava em um curso de verão com a Elena Ferrante sobre o livro A Vida Mentirosa dos Adultos. Foi logo depois de me decepcionar com a adaptação da Netflix. No sonho, eu estava no hotel da primeira temporada de White Lotus e o curso acontecia em um ambiente cheio de mesas de pedra e tochas acesas.
Eu usava um caderninho que, na realidade e não em sonho, comprei em Buenos Aires e ainda não tive a coragem e oportunidade de estrear. Na capa do caderno, uma garota desenhada várias vezes, fazendo caras e bocas. De repente, eu começava a recolher lápis e canetas, papéis e anotações, em uma completa bagunça, para chegar a tempo ao curso.
Chego e vejo Elena, de cabelos grisalhos e semblante severo. Usa roupas cinzas e um chale azul escuro, me olha de cima e somos então interrompidas por uma lembrança do sonho passado. Sabe, aquele que eu estava tendo logo quando me lembrei desse curso e saí apressada, onde uma amiga da infância que me lembro de não ter tratado muito bem vinha me atormentar. A amiga surge e tenta em vão tirar satisfações por algo que aconteceu no sonho, não me lembro bem o quê. Elena me interrompe quando faço que vou responder, me pergunta o que é mais importante e se estou preparada para deixar a adolescência para traz. Sim, estou, é o que eu respondo, sem saber se é uma referência ao livro ou uma indireta que eu mesma me dei pelo subconsciente.
Me volto a primeira tarefa do curso, explicada quando eu ainda não tinha chegado: escrever um poema. Não me abalo, já sei que não consigo escrever um belo poema. Não conseguiria se tivesse dias, é impossível em poucos minutos. Sabendo que o fracasso é a única opção, fico tranquila e escrevo. Me divirto e me concentro. E assim, no fim do poema começo a acordar, termino o coitado entre o sonho e a consciência. Assim que me levanto, tento repeti-lo, reescrevê-lo. Poderia dizer "não ficou tão bom quanto no sonho" mas a verdade é que nem na fantasia era grandes coisas. De qualquer forma, faz meses que não apareço e as palavras me parecem adequadas. Afinal, por que eu que tanto digo, opino, tagarelo, interrompo e me meto, mas daqui simplesmente sumo sem dar notícias como uma falastrona faladora que nada tem a dizer, nem mesmo uma satisfação ou uma confissão de saudades. Não sei porque não escrevo, às vezes também me pergunto. Me escondo na falta de assunto, me alimento de preguiça, escuto a procrastinação. Mas, sendo sincera, sempre fiz assim, nunca escrevi de outro jeito. Agora tenho crônicas não terminadas, declarações esperando ansiosas, rascunhos de ideias e livros. Se acumulam em pilhas silenciosas e me cutucam com dedinhos finos e insistentes em momentos inoportunos. Até mesmo em sonhos.
Para Elena,
Logo agora
Elas me faltam
Eu que me encho de culpa
Tantas vezes arrependida
Pela falta de controle
Consumida de remorso
Por falar falar falar
Justo quando preciso
Não consigo as encontrar
Será que foi você
Em um arroubo de fúria
Inteligência e soberba
Que roubou todas elas?
Não desisto
Me viro do avesso
Busco lá dentro
Avisto de longe
Caminha tão lentamente
Quanto o contrário da minha pressa
Traz consigo o que procuro
Nessa viagem magnífica e assustadora
Carrega minha palavra
Simplória e divertida
Não surpreende como em sonhos
Nem é bonita como em poemas
Só diz Elena, obrigada
Obrigada, Elena
Amei a história do sonho!