Na minha infância e adolescência, a gente costumava brincar de mês. Tudo começava com uma dupla de pessoas indo até um canto e escolhendo um mês do ano. Depois, a dupla voltava e perguntava para os outros participantes, um por um, qual mês achavam que a dupla tinha escolhido. Quando alguém acertava, recebia a fatídica pergunta: O que você quer da vida? Nesse momento, a pessoa deveria dizer coisas como uma casa, um carro, uma cor, um amor, um animal, uma sobremesa ou o que mais ela quisesse da vida. A dupla se reunia novamente e voltava com duas opções para a pessoa que acertou o mês. Você prefere a casa da Xuxa ou casa da Angélica? O carro do Faustão ou do Luciano Huck? Maçã ou goiaba? Laranja ou azul? Cachorro ou gato? A pessoa escolhia e, então, a nova dupla a decidir o próximo mês era formada por ela e por quem deu a sugestão que ela escolheu.
A simples pergunta que a gente tinha que responder ao brincar de mês me atormenta até hoje. O que você quer da vida? Uma pipoca. Uma taça de vinho. Uma massagem nas costas. Um dia de folga. Trocar de emprego. Ganhar na loteria. Viajar o mundo. Dá pra querer tanta coisa e mesmo assim ficar em dúvida do que a gente quer.
É como quando a gente assiste aqueles seriados em que nada acontece em uma cidadezinha do interior e quer mudar imediatamente achando que vai encontrar um grande amor machucado pelo passado mas prestes a se recuperar, assim como o emprego dos seus sonhos e toda uma comunidade fofoqueira porém unida, que te ajuda a reformar sua casa que está aos pedaços e transforma-la em uma mansão. Por um momento, parece um bom plano.
Eu conheço quem tenha algumas certezas, desejos consolidados sobre pra onde ir no futuro. Mas posso garantir que conheço muito mais gente confusa. Algumas insatisfeitas, outras felizes. A maioria às vezes insatisfeita, às vezes feliz. Querer algo da vida parece nos dizer que uma vez que a gente resolva o que quer, trave um plano, é só seguir em frente. Desconsiderando as muitas mudanças no caminho que podem nos fazer querer mudar de rota. Mas mudar de rota parece admitir o fracasso. O bom mesmo é continuar insistindo naquilo você já tem certeza que não quer para não encarar o julgamento e a pressão da sociedade. Mas a verdade é que a maioria das pessoas está tão envolvida na sua própria expectativa de fracasso que nem vai reparar muito na sua. Mas essa constatação não ajuda muito, já que ninguém pressiona melhor a gente mesmo do que a gente mesmo. Mas acho que vale tentar fazer a pressão na direção contrária. Para outro lado. Do avesso. Não sempre a mesma pressão de sempre, para realizar aqueles mesmos sonhos antigos e sem sentido. Que na próxima vez que perguntarem o que queremos da vida, a resposta seja o que a gente quiser.
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