Na primeira vez que minha mãe viajou de avião, em 2013, ela me ligou logo antes de embarcar dizendo: “Filha, eu amo muito você. Se eu e seu pai não sobrevivermos, você vende a nossa casa para pagar a faculdade da sua irmã. Entendeu? Vende a casa e paga a faculdade da sua irmã! Vende a casa e paga a faculdade da sua irmã!!!”. Eu, sendo a única com a razão intacta na conversa, respondi que sim, venderia a casa e pagaria a faculdade da minha irmã, mas que ela poderia ficar tranquila porque teria uma boa viagem. Não sei o quanto adiantou minha tentativa de consolo, afinal a ligação entre razão e medo até existe, mas é confusa e cheia de intermédios de forma que os nossos medos podem trazer o pior de nós.
O medo de avião é velho conhecido de muita gente. Eu confesso que fico com a barriga gelada na hora da decolagem mas, fora isso, me dou bem com as caixas voadoras e consigo apreciar a vista das nuvens. Em 2015, quando voltava para o Brasil depois de passar um semestre de intercâmbio em Portugal, passei por uma turbulência que me pareceu bem intensa. Eu subia e descia da cadeira do avião, balançava muito e todos os passageiros pulavam em seus assentos, em meio a muitos gritos. Para me manter calma, observei os comissários de bordo, que conversam em um espanhol tranquilo. Se eles não estavam se preocupando, por que eu deveria? Bom, me preocupei mesmo assim. Felizmente, a coisa toda não deve ter durado mais do que uns 3 minutos, apesar de ter parecido pelo menos o triplo. Além disso, nesse voo, tomei 4 mini garrafinhas de vinho branco, ninguém estava sentado ao meu lado e eu assisti Toy Story 3. Colocando na balança, foi um vôo de sorte.
Mas não quero passar uma falsa impressão com as histórias de como encarei com razoável competência uma turbulência e uma mãe desesperada. A verdade é que sou um meio medrosa, o tipo de pessoa que não procura sarna para se coçar e não gosta de correr riscos desnecessários ou assistir coisas que possam perturbar meu sono. Sou zero supersticiosa, mas se encontro uma escada no meio da rua, não passo por baixo, afinal, pra quê arriscar?
Nossos medos parecem que são tão nossos, pessoais e intransferíveis, difíceis até de pronunciar. Mas, na verdade, somos sempre menos imprevisíveis e únicos do que pensamos e provavelmente nossos medos são bem parecidos. Voar de avião, perder alguém, contrair uma doença, sair do banheiro com a calcinha aparecendo, ter o celular roubado sem estar bloqueado e ter toda sua poupança transferida, um belo dia descobrir que tem alguém morando na parede da sua casa.
A gente sabe que viver em si já é um grande risco, mas mesmo assim a gente se previne. Todo mundo já encaminhou uma corrente para evitar anos de azar, fez uma oração em um momento de aperto, bateu na madeira, fez uma figa, desvirou um sapato, mandou uma mensagem antes do avião decolar dizendo “eu te amo muito paga a faculdade da sua irmã”. A gente se convence que medo se combate com sorte, o que pode ser uma forma esperta de driblar o azar. Mas no fim, a sorte até ajuda, mas pra enfrentar o medo mesmo só com seu antônimo, que não é nada mais que coragem.
Nosso erro é achar que ser corajoso é ser imprudente e pensar pouco sobre qualquer consequência. Coragem de verdade a gente precisa ir construindo e exige reflexão, inteligência, autoconhecimento, paciência e mais um monte de outras coisas tão difíceis quanto de cultivar. Mais do que tudo, coragem é coisa compartilhada, que cresce quando é dividida, que aumenta quando não é só sua. Pra mim, coragem é um monte de gente, que está comigo no meio da turbulência mesmo sem estar fisicamente presente. Afinal, se os nossos medos não são só nossos, por que a nossa coragem deveria ser?
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Parafraseando: se sonho que se sonha juntos vira realidade.... Coragem que se encoraja juntos deve vencer o medo. Coragem pra nós.
Amei esse!!