Terça-feira, 05 de outubro de 2021. Depois de anos sem usar o programa de escrita e edição de textos Word, resolvi, por motivos desconhecidos, escrever uma crônica utilizando tal programa. O assunto já não importa, mas gostei do resultado. Assim que terminei, li a crônica para o Daniel, meu namorado, que deu algumas risadas contidas e fez muitos elogios, dizendo que muita gente iria se reconhecer naquelas palavras.
Eu, não usuária do Word, não tenho o hábito de salvar as coisas que escrevo. Costumo escrever no meu aplicativo de notas do celular, que é sincronizado com a minha conta Google. É seguro, confiável. Pouco risco de perda. É claro que não salvei meu arquivo escrito no Word. É claro que perdi minha crônica.
Sim, já ouvi a história de que a esposa do Hemingway esqueceu o manuscrito de um livro que ele havia escrito no trem e que, depois de perder o manuscrito, Hemingway escreveu O Velho e o Mar. Nunca li O Velho e o Mar. E me disseram que essa história é mentira. Não acho que a crônica perdida fosse das melhores que já escrevi,mas entendo o ponto. Não lamentar o impossível de mudar. É sempre possível começar de novo — novo livro, nova crônica. Pode ficar ainda melhor.
Também sei que o Word salva os arquivos não salvos, acho prudente esclarecer antes que eu comece a receber mensagens esperançosas com ideias de como recuperar meu texto. Porém, eu usei o Word no dia seguinte, para salvar um documento que precisava enviar para o trabalho, e o coitado me perguntou se podia apagar os documentos não salvos, perguntou se os documentos não salvos já estavam seguros! Sim, acredito que foram essas as palavras que ele usou. Eu disse que sim, que estava todo mundo bem e saudável, graças a Deus, e não havia com o que se preocupar. Me esqueci da crônica, autorizei que ela fosse levada embora, deixei a maldita escapar.
Não sou de ficar chorando pelo leite derramado. Depois que descobri sobre a crônica perdida, fiz um tweet lamentando e segui em frente, o único caminho possível. Porém, ao tentar escrever um novo texto, fiquei empacada. E não podia nem ao menos abordar esse assunto, já que faz pouco tempo que o bloqueio criativo foi pauta por aqui.
Talvez seja o fardo de carregar a culpa da perda. Parece que seria mais fácil se fosse minha esposa que tivesse esquecido o manuscrito no trem. É difícil lidar com os problemas com tecnologia quando você não pode culpar o mau funcionamento dos dispositivos eletrônicos, a queda da internet, o Mark Zuckerberg. Quem nunca perdeu um documento não salvo? Quem nunca salvou um documento em cima de outro? Quem nunca enviou para lixeira o que não devia? Quem nunca esvaziou a lixeira logo depois de enviar para a lixeira o que não devia? Esse sentimento dos nossos tempos, que tem um pouco a ver com a raiva que dá da nossa mãe quando ela joga fora um papel amassado que estava debaixo da escrivaninha e era obviamente super importante. O que nos resta é assumir a culpa, porque ficar com raiva de um aparelho eletrônico é pouco produtivo (da mãe menos ainda).
Essa é a vida, cheia de crônicas perdidas e outras coisas que deixamos escapar. Aquele pequeno detalhe que faria toda diferença... Salvaria um arquivo. Te impediria de quebrar uma taça na pia. Não te deixaria perder uma nota de 100 reais ou te pararia no segundo antes de sujar sua blusa favorita de ketchup. Acertar a hora certa para falar a coisa certa para a pessoa certa. Não perder o horário quando faz toda diferença chegar no horário. O leite derramado.
E então? O que fazer? Limpar o leite, tomar vinho no copo americano, parar de acreditar nessa baboseira de pessoa certa, pedir desculpas por ter chegado atrasado, escrever uma nova crônica. Talvez a outra estivesse melhor, talvez vocês realmente se reconheceriam naquelas palavras. Mas não lamentem o que foi derramado, sigam em frente comigo, nessa nova crônica, nessas novas ideias e novas palavras, que eu humildemente dedico a todas as coisas que eu e você deixamos escapar.
Indicações da semana:
Estava pensando em indicar aqui um livro do Luiz Antonio Simas, mas não sabia qual. Pensei em compartilhar alguma das suas threads no twitter ou postagens no Instagram. No fim, resolvi simplesmente indicar o Simas, obra e redes sociais completas. Vale a pena ler e seguir, afinal o twitter dele provavelmente poderia virar também um livro, já que cada tweet parece um poema. Eu e meus amigos somos tão fãs que todo ano no nosso amigo oculto aparecem pelo menos uns 4 livros do Simas, além de ser presente constante nos presentes de aniversário.
Atrasada, mas ainda em tempo.
Só na semana passada fui ouvir todo o CD da Marina Sena, apesar dos apelos dos twitteiros que já me diziam há semanas como era bom. Já me rendi aos encantos de Marina, com destaque para Me Toca (pouco original da minha parte mas e daí) e Seu Olhar.
Esta dancinha:
Um beijo, leitores. 💜
Revisão: Otávio Campos
A crônica perdida
Não canso de falar que eu te amo e citar motivos, essa semana é por enviar o texto certo pro momento exato em que tô superando o "leite" derramado no meu piso laminado kkkk
Quantas e quantas vezes já me aconteceu isso. Infelizmente.