Trago sua atenção de volta em 7 dias
Estou lendo um livro sobre meditação, com vários exercícios de respiração e mentalizações, que se chama A arte de sentar. O livro foi escrito pelo professor e monge zen-budista Thich Nhat Hanh e traz meditações guiadas, reflexões e histórias. Nem no início, temos a seção Notas sobre a maneira de sentar:
Muitos de nós gastamos um bom tempo sentados - tempo demais. Nos sentamos no trabalho, na frente dos nossos computadores, em nossos carros. Sentar,neste livro, significa sentar-se de uma maneira que nos possibilite desfrutar do ato de estar sentado, sentar-se de maneira relaxada, com a mente desperta, calma, límpida. Isto é o que chamamos de sentar-se, o que exige certo treinamento e prática.
A seção seguinte fala sobre como, em nossas vidas cotidianas, estamos sempre com a atenção dispersa. Normalmente o nosso corpo está em um lugar, a nossa mente está está viajando por outra parte e nem nos damos conta da nossa respiração. Mas, se a gente volta a nossa atenção para a respiração, conseguimos unir as três coisas: corpo, respiração e mente, mesmo que apenas por alguns segundos. É voltar a si mesmo e estar consciente, sendo que essa “consciência une os três elementos e nós passamos a estar inteiramente presentes no aqui e no agora”.
Essa parte do livro me lembrou do filme O Som do Silêncio, em que Ruben, um baterista que perde sua audição repentinamente, vai para um centro de acolhimento para dependentes químicos em uma comunidade surda. O administrador do centro dá uma tarefa a Ruben em que ele precisa ficar sentado em uma sala sem fazer nada. Caso não consiga, deve escrever em uma folha de papel: escrever qualquer coisa e o que quiser, até que consiga ficar simplesmente sentado novamente. Não vou me alongar falando do filme porque vale muito a pena assistir e descobrir o resto da história, mas a ideia da tarefa é ser uma forma de olhar para dentro e botar tudo para fora, até que seja possível esvaziar a mente e simplesmente estar presente. O que, naturalmente, não vai durar para sempre, é um processo. Quando a mente se encher de pensamentos de novo, é só voltar a escrever, até que seja possível voltar a se sentar novamente.
A meditação sempre me pareceu um desafio valioso, mas muitas vezes meu cérebro desobediente e travesso, encarou como mais uma tarefa a ser cumprida. Não que isso invalide a tentativa, o processo, as inspirações e expirações. Mas a nossa ansiedade de ser produtivo, muitas vezes está presente até nos momentos de não produzir. No meio de um desespero sufocante por aproveitar o tempo que resta, por ter dias memoráveis o suficiente, por passar tarde divertidas o tempo todo, temos o clássico medo de não ser feliz o suficiente se somando a nossos outros medos e inseguranças e formando aquele amontoado de coisas que que consegue muitas vezes nos impedir de enxergar o óbvio, reconhecer o que está a nossa frente, viver no aqui e agora.
Não apenas uma vez, fui interrompida, sentadinha no chão, no meu tapete de yoga, de pernas cruzadas e olhos fechados, no meio da meditação, por uma indagação do Daniel perguntando o que deveria ser óbvio: “Tá meditando?”. Claro que penso “não vou responder para manter a concentração”, mas na real ela já foi embora e me divido entre a vontade de rir e a de xingar ele por perguntando para alguém claramente meditando se a pessoa está meditando sabendo que meditação é exatamente sobre concentração. Águas passadas, já perdoei o coitado e inclusive pensei nele quando a voz do aplicativo me disse para pensar “em algo pelo qual você é grato”, mas contei a história para ilustrar que não faltam distrações por aí, principalmente no nosso celular. Longe de mim analisar de forma rasa e descompromissada (como faço com grande parte dos assuntos por aqui) o uso da tecnologia, mas que essa telinha brilhosa consome nosso tempo de forma arrasadora, ninguém pode negar.
A voz do aplicativo repete a frase “traga sua atenção de volta” e me lembra aqueles panfletos que prometem o amor de volta em poucos dias. Volto para a respiração, momento de esvaziar a mente… Sem qualquer explicação, a imagem da cabeça de Draco Malfoy, lá pelos seus 15 anos de idade, povoa meus pensamentos, solta em meio ao vazio que eu estava me esforçando tanto para criar, flutuando como uma figurinha de Whatsapp (e olha que eu sou da Grifinória). De repente, o comando é “deixar a mente divagar”, os pensamentos virem! Eu então não penso em nada, além de que preciso pensar em alguma coisa. Que coisa? Pensar no que eu quiser? Mas será que eu sei o que eu quero? Qual é o prazer eu busco? É o alívio de cumprir uma tarefa? Talvez a refrescância de um mergulho, já que os dias estão tão quentes. Ou a expectativa de um passeio. Aquela sensação de limpeza depois de passar o fio dental nos dentes antes de ir deitar. A alegria de estar com quem a gente gosta, de conquistar uma coisa que deseja ou de receber uma boa notícia. A paz de não ter tanta pressa, de respirar com calma, de viver o que está realmente vivendo agora. De meditar. De escrever uma crônica. De saber o que quer. De saber que nem sempre vai saber o que quer. A dúvida de que talvez esteja tudo aqui dentro. Ou se não tudo, quem sabe uma parte importante, esperando para ser encontrada, desencontrada e encontrada de novo, se a gente simplesmente se sentar e procurar.
O que eu indico essa semana:
Comecei a meditar no aplicativo Serenity na última semana e gostei. Foi indicado pela minha amiga Pão, que está quase sempre atenta, ou pelo menos tentando (e nós seremos as primeiras a apontar a contradição de usar o aparelho que mais atrapalha nossa concentração para recuperá-la).
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As pessoas no centro da cidade - E outros figurantes da nossa história